Os Óscares da realidade

 

por Rui Rocha

 

28.02.11

 

A noite dos Óscares não surpreendeu. Consagrou um filme que executa o papel de contar uma história apoiado em excelentes interpretações. Nem mais, nem menos. Uma noite assim, consensual, sem rasgo, polémica ou desastre que a ilumine não ficará  na história da cinematografia. Parece-me uma cerimónia adequada aos tempos que vivemos. Alguém definiu o Homem como o animal que vai ao cinema. O fascínio da sétima arte terá explicação na existência de um conjunto de neurónios (os neurónios-espelho) em que se encontra a chave da empatia. Essa que nos permite vivermos como se fossem nossas as angústias, as derrotas e os sonhos de outros seres humanos. Estes são tempos em que a realidade nos proporciona histórias que superam em muito a ficção. Vivamos então uns momentos da história de Abdul. Aquele que  vendia no Cairo o pão que o Diabo amassou. Ou de Salim, esse que está pronto para atirar uma pedra a uma das últimas fotografias de Kadafi. Um e outro, tal como Fhatima, em Tunis, têm agora uma ilusão de liberdade que também pode ser nossa se a quisermos compartilhar. Por uns tempos, as epopeias da ficção podem esperar. E Hollywood não quis sobrepor-se à narrativa da realidade. Depois, quando aqueles sonhos se cumprirem, se frustrarem ou forem esmagados, lá daremos de novo protagonismo ao cinema. Em busca da vertigem, do drama ou de heróis em luta pela liberdade. E é possível que encontremos, na primeira fila, os cínicos, os cépticos e os democratas de aquário. Esses incansáveis defensores de toda a liberdade que se projecta nas imediações do sofá em que se sentam. Todos temos momentos em que exercitamos os nossos neurónios-espelho. Alguns fazem-no apenas protegidos pelo escurinho de uma sala de cinema. É nesses momentos que revelam, na empatia que experimentam, a raiz mais profunda da sua humanidade.