Casamento
gay nos EUA: da doença à bênção presidencial em 70 anos
10 de Maio
de 2012
Por
Alexandre Martins
A
declaração de ontem do Presidente dos EUA, Barack Obama, em defesa do casamento
entre pessoas do mesmo sexo, é um marco importante na história da luta pela
igualdade de direitos no país, 70 anos depois de a homossexualidade ter sido
considerada uma doença pelos psiquiatras norte-americanos.
"A
homossexualidade é uma doença." Em 1942, era esta a ideia defendida pela
Associação Americana de Psiquiatria. Foram precisos 70 anos para que um
Presidente dos EUA afirmasse, pela primeira vez e sem os artifícios da
"linguagem de Washington" – que o humorista George Carlin descrevia
como "o acto de falar com grande cautela, para ter o cuidado de não dizer
absolutamente nada" –, que "as pessoas do mesmo sexo devem poder
casar-se".
A definição
da homossexualidade como uma doença só foi eliminada nos EUA em 1973, mas tinha
sido escrita com uma tinta tão resistente que, um ano mais tarde, 37% dos
psiquiatras inscritos na associação tentaram voltar a incluí-la nos manuais,
ainda que sem sucesso. Em 1975, foi a vez de a Associação Americana de
Psicólogos seguir o mesmo caminho: a homossexualidade deixava de ser
considerada uma doença e passava a ser "uma variante normal da sexualidade
humana".
Por essa
época, o movimento pela igualdade de direitos conquistava as primeiras vitórias
com repercussão nacional. Harvey Milk – o político cuja história é contada no
filme de Gus Van Sant, de 2008 – tornou-se no primeiro homem declaradamente gay
a ser eleito para um cargo político no estado da Califórnia, mas a História tem
outro nome no topo dos pioneiros da América que começava a sair do armário:
Kathy Kozachenko, eleita em Abril de 1974 na cidade de Ann Arbor, no estado do
Michigan, pelo Partido dos Direitos Humanos.
A década de
1970 – conturbada, mas repleta de avanços na luta pela igualdade de direitos –
culminou com uma marcha de 50 mil pessoas em Washington, com o objectivo de
"pôr fim a qualquer tipo de opressão social, económica ou legislativa da
comunidade gay e lésbica". Esta manifestação, em 1979, enfureceu o sector
mais conservador do país, que tinha o reverendo Jerry Falwell como um dos seus
expoentes máximos. Em resposta à marcha em Washington, Falwell proferiu uma das
frases que perdura no imaginário do país: "God did not create Adam and
Steve, but Adam and Eve" ("Deus não criou Adão e Steve, mas Adão e
Eva").
A década
seguinte foi marcada pela ligação dos primeiros casos de HIV à comunidade gay e
pela proibição da admissão de homossexuais nas Forças Armadas pela
Administração Reagan, uma lei que seria ligeiramente retocada em 1993 por Bill
Clinton: se antes os homossexuais estavam proibidos de ingressar na vida
militar, a partir desse ano poderiam ser recrutados desde que não assumissem
publicamente a sua orientação sexual. A lei ficou conhecida como "Dont
Ask, Dont’t Tell" e só viria a ser revogada no ano passado, já em plena
Administração Obama – desde 20 de Setembro de 2011, qualquer homossexual
assumido pode integrar as Forças Armadas dos EUA.
Apesar dos
avanços registados nas últimas quatro décadas, só em 2003 a sodomia deixou de
ser crime em 14 estados norte-americanos, por decisão do Supremo Tribunal.
Chegados a 2012, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal em seis
estados norte-americanos: Nova Iorque, Massachusetts, Connecticut, Iowa,
Vermont e New Hampshire. No restante território dos EUA, o casamento entre
pessoas do mesmo sexo também é permitido na capital, Washington D.C., e nas
tribos dos índios Suquamish (Washington) e Coquille (Oregon) – apesar de o
Oregon proibir este tipo de matrimónio, a tribo Coquille é reconhecida como uma
nação soberana dentro do estado e não está vinculada à sua Constituição.