Venezuela e Ucrânia: algo em
comum?
Larissa
Ramina
Venezuela
e Ucrânia, portanto, têm sim algo
em comum: sua importância do ponto de vista geoestratégico e energético para o mundo ocidental.
“Venezuela
e Ucrânia são situações absolutamente díspares”, ressaltou a Presidenta Dilma. Com toda razão. Entretanto,
muito além de toda a disparidade que diferencia ambas as situações, algo há em
comum: tanto Venezuela quanto Ucrânia consistem em alvos
dos interesses geoestratégicos
e energéticos da agressiva política externa norte-americana.
A
Venezuela é palco de sucessivas
tentativas de desestabilização
de seu governo democraticamente eleito e socialmente orientado, desde a primeira eleição de Hugo Chávez. Cabe lembrar que, de acordo com a CEPAL, a Venezuela tornou-se após o chavismo o país com melhor distribuição de renda na América
Latina. Como mesmo após a morte do líder a oposição saiu derrotada
das urnas, o que resta é uma alternativa
ilegítima impulsionada pelo governo norte-americano.
As
motivações que levam ao intervencionismo
são facilmente compreensíveis, já que se trata do país detentor das maiores reservas de petróleo do mundo (ainda que se trate
de um petróleo pesado que exija alto custo de refinação), cuja situação geográfica
situa-o como vizinho dos Estados Unidos, e que ao
contrário de uma década atrás, hoje
exporta grande parte de sua produção para
a China. E lembre-se que a
Venezuela de Chávez foi o único
país latino-americano, na virada para
o século XXI, a se opor à tentativa dos Estados Unidos de estender as diretrizes do Consenso de
Washington por todo o continente, por meio da pretensa
Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).
A
partir de então, a ascensão de vários governos pós-neoliberais na região permitiu
mudar o acento para os processos
de integração sul-sul, a exemplo do Mercosul e da Unasul, em
lugar dos acordos de livre comércio com a potência hegemônica. O resultado foi um progressivo isolamento dos Estados Unidos em sua área
de influência estratégica:
a América Latina.
Por outro lado, a Ucrânia é um país de extrema relevância do ponto de vista estratégico, e o mais importante para a segurança da Rússia.
Embora se pretenda que a situação seja simples, qual seja, uma maioria
da população ucraniana ansiando integrar um bloco econômico em crise
profunda, como a União Europeia, que mantém índices
altíssimos de desemprego, e
um presidente que pretende impedi-lo em prol de uma
aliança com a Rússia, a crise tem raízes bem mais complexas
que conta com a ingerência dos Estados Unidos.
Os
objetivos da ingerência estadunidense na Ucrânia devem-se
não apenas ao temor da
retomada da influência russa no ex-espaço soviético, de que deriva o propósito
de integrá-la à estrutura militar da Organização
do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN), como também se devem ao fortalecimento da Europa como
interlocutor da Rússia em questões estratégicas
(em detrimento da sempre presente
intermediação dos Estados Unidos), ao medo
de uma reaproximação entre Alemanha e Rússia, mas principalmente ao fator energético.
Por óbvio, a Rússia não admitirá
facilmente um governo pró-ocidental em um país estrategicamente fundamental
para sua segurança. Desde a época da extinta
União Soviética, mais de 80% do gás natural russo é transportado para a Europa pela
Ucrânia.
Venezuela
e Ucrânia, portanto, têm sim algo
em comum: sua importância do ponto de vista geoestratégico e energético para o mundo ocidental, e o fato de terem desafiado,
de diferentes formas, os rumos previstos
pela hegemonia global.
(*)
Larissa Ramina, Professora
de Direito Internacional da UFPR e da
UniBrasil.